terça-feira, 7 de setembro de 2010

Aula de reforço + frequência = R$ 50,00

Terça-feira, 07/09/2010
Christian Rizzi/Gazeta do Povo
Governo quer pagar alunos para que assistam a aulas de reforço de Matemática. A proposta gerou debate no meio educacional

Publicado em 07/09/2010 | Denise Paro, da sucursal
Oferecer R$ 50 em vale-presente para alunos assistirem a aulas de reforço é o caminho para o sistema educacional brasileiro? Inspirada na cultura da recompensa, a proposta surgiu no estado de São Paulo, gerou polêmica e acabou engavetada temporariamente. Porém, não deixou de instalar um debate no meio educacional.

Considerado uma forma de incentivo aos alunos com baixo desempenho escolar, o projeto do vale-presente, que faz parte de um programa chamado Multi­plicando o Saber, visa oferecer bolsas de R$ 50 para estudantes do ensino fundamental, da 6.ª e 7.ª séries, frequentarem aulas de reforço da disciplina de Mate­mática. As aulas seriam ministradas por alunos do 2.º e do 3.º anos do ensino médio, com desempenho excelente na disciplina, que receberiam R$ 115 pela atividade. O vale teria de ser trocado por cadernos, livros, CDs ou materiais semelhantes.

Descaso dos pais agrava problema
Disponibilizar bolsas de estudos ou recompensa financeira para alunos frequentarem aulas de reforço não é uma iniciativa comum, pelo menos no Brasil. O mais comum são programas de incentivo, mas sem remuneração. No Paraná, desde 2004, a rede estadual de ensino oferece reforço das disciplinas de Matemática e Português aos alunos da 5.ª e da 6.ª séries do ensino fundamental no contraturno escolar. Cada sala tem de ter no máximo 20 alunos, mas o limite não é problema porque as salas estão longe de ficarem lotadas.

A professora da equipe técnico-pedagógica do Núcleo Regional de Educação de Foz do Iguaçu (NRE) Cristiane Balla diz que alguns alunos não conseguem comparecer às aulas por dificuldades de transporte escolar e falta de apoio dos pais. “O problema maior é a família apoiar o aluno”, diz. Essa é a realidade que bate às portas da Escola Estadual Paulo Freire, em Foz do Iguaçu. Dos 20 alunos que precisam das aulas de reforço, apenas 60% vão com regularidade às aulas, que ocorrem duas vezes por semana. “Nós chamamos os pais, convocamos, fazemos reunião, mas o número de alunos que comparece é pequeno”, diz o diretor do colégio, Valdecir Martins.

Desinteresse

Responsável pelas aulas de Matemática, o professor Sandro Tawil diz que o problema é vencer o desinteresse dos alunos em estudar. “Eles não mostram comprometimento apesar de tentarmos usar jogos e sala de informática. Nada chama atenção”, diz.

Kevin Eduardo Silva, 11 anos, deveria frequentar as aulas de reforço. Começou no início do ano, mas não manteve o ritmo. Ele diz que tem dificuldade de acordar cedo e leva uma hora caminhando para chegar à escola. “No dia do reforço escolar também tenho futebol”, conta ele, que sonha em ser jogador. Alunos que não se interessam em comparecer às aulas de reforço dizem que não se importam em reprovar nas disciplinas.

Na outra ponta estão aqueles que aproveitam o reforço. Igor Luiz de Oliveira, de 11 anos, e Fernando Henrique de Jesus, 12 anos, dizem que gostam das aulas. “O professor dá uma aula diferente”, conta Igor. (DP)
O projeto é resultado da parceria da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo com o Banco Interamericano de Desen­volvimento (BID) e a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Os investimentos previstos são de US$ 663 mil (cerca de R$ 1,1 milhão), dos quais US$ 130 mil da Secretaria de Educação, US$ 200 mil do BID e US$ 333 mil de outros parceiros.

Formatada e lançada no início de agosto, a proposta gerou reações entre educadores. Menos de uma semana após o projeto ser lançado, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo resolveu suspendê-lo para o início do ano letivo de 2011, sob alegação de que é preciso discutir a ideia junto à comunidade acadêmica e à população.

As críticas

Uma das entidades já consultadas, o Sindicato de Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), desaprova a iniciativa. Para a presidente da entidade, Maria Izabel Azevedo Noronha, o projeto poderia surtir efeito contrário por desestimular o aluno a estudar. “Ele pode pensar em ficar de recuperação porque ganha R$ 50.” Para a professora isso poderia até criar um sentimento de chantagem nas escolas. Outro ponto do projeto criticado pela presidente da Apeoesp é em relação aos efeitos. Para ela, a proposta não ataca a estrutura do problema pelo qual a educação passa hoje, ou seja, professores mal remunerados e salas de aulas superlotadas.

Pró-diretora de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão do Grupo Uninter, a professora-doutora Shiderlene de Almeida critica vários pontos do projeto. O primeiro deles é a limitação à disciplina de Matemática. Segundo ela, seria preciso pensar não apenas nessa disciplina, mas também em outras pelo fato de hoje se falar muito em interdisciplinaridade nas escolas. Ela também questiona a necessidade de remuneração.

Para a professora, a escola deveria ser local de educação integral, que envolveria não só o aluno, mas também a família. “Se a família não está envolvida, não adianta só colocar a criança para fazer aula de reforço. A família é essencial e precisa estar presente. Só o dinheiro não vai sanar as dificuldades de aprendizagem, pode ser uma solução paliativa”, afirma.

A professora cita um projeto de pesquisa na área de psicopedagogia desenvolvido por meio de parceria entre o Instituto Bra­sileiro de Pós-Graduação e Exten­são, o Instituto Pelé Pequeno Príncipe e a prefeitura de Curi­tiba. Cerca de 60 crianças de 7 a 12 anos da rede municipal frequentam de forma voluntária, uma vez por semana, oficinas psicopedagógicas, com base interdisciplinar na leitura, escrita e Mate­mática, que também priorizam o envolvimento dos pais. Ati­vidades também são propostas para os alunos fazerem em casa. “Geralmente eles tomam consciência que os filhos precisam de ajuda”, diz Shiderlene. São cedidos apenas vales-transportes e lanches.

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